segunda-feira, 8 de março de 2010



Diversidade versus Desenvolvimento


O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro fez uma rápida, porém instigante, intervenção no painel sobre diversidade nos paises americanos, primeiro painel do Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural, realizado pelo Ministério da Cultura nos dias 27 a 29, em Brasília.
Segundo o antropólogo, existe uma relação intrínseca entre natureza e cultura. A própria atuação dos Ministérios encarregados de cada uma das áreas mostra isso. De um lado está a biodiversidade, de outro a diversidade cultural. Não se deveria nem mesmo falar em Ministério do Meio Ambiente e em Ministério da Cultura. Ambos poderiam ser unificados no “Ministério da Vida”. A agenda ambiental e a agenda da cultural, portanto, exibem diversos pontos de contato. A crise ecológica é uma crise cultural e o inverso também é verdadeiro.
A discussão do seminário recairia então em saber como preencher o conceito de diversidade cultural e levá-lo a sério. Ninguém é contra a diversidade cultural, mas poucos se prendem na discussão das conseqüências de seu reconhecimento.
É preciso, como havia dito anteriormente o Ministro Gilberto Gil, lutar pela diversidade. Ela não é um fato estático que apenas se reconhece, mas algo pelo qual se deve lutar. A diversidade não reside apenas no passado e possui papel fundamental no desenho do futuro.
Diversidade não é uma simples questão de auto-estima ou de inclusão social. Esses são dois conceitos que não ajudam a entender a diversidade cultural e as necessidades de afirmação de identidades. A questão da auto-estima sugere que a cultura pode ser um placebo para apaziguar a diferença. Da mesma forma, cultura não pode ser um elemento de inclusão social, uma vez que essa afirmação traz consigo uma noção de ajustamento, de conformismo social. Essa noção transforma a cultura em verdadeiro antidepressivo coletivo para minorias que sofrem de auto-desconfianca. Esse subtexto é indigno e deve ser repensado.
Cultura é uma manifestação múltipla e diferenciada em si. Se isso é verdade, a expressão diversidade cultural é um pleonasmo. A cultura não pode ser um instrumento para unificação. Somente existe autoestima com autodeterminação, e não o inverso. Volta-se então ao contexto da pergunta inicial: como levar a diversidade cultura a sério? Através da percepção que a diversidade é não apenas cultural, mas também política.
O débito com os escravos, por exemplo, deve ser pago em espécie. Deve ser pago reconhecendo expressamente a existência do débito e o valor devido pela contribuição cultural desses povos para a nossa identidade. O pagamento do débito começa em casa.
Os nossos Estados foram construídos contra a diversidade. Afirmar o contrario é apenas afirmar boas intenções. O Estado sublimou a diversidade. O reconhecimento do débito é o passaporte do Estado para o futuro.
Mas o problema que hoje enfrentamos é que o Brasil é grande, mas o mundo é pequeno. A crise ecológica e cultural do planeta exige criatividade intelectual dos paises em desenvolvimento. Eles precisam perceber que não há como se desenvolver tal quais os paises desenvolvidos um dia se desenvolveram (por motivos ecológicos e sistêmicos que são bastante conhecidos).
Por isso o crescimento e o desenvolvimento precisam vir de outro ponto. A diversidade cultural e a sua afirmação podem representar uma saída. O Brasil precisa descobrir como se desenvolver fora do modelo posto. Tudo isso porque o Brasil não será os Estados Unidos quando crescer. Precisamos – disse o palestrante – de um PAC (“Programa de Afirmação Cultural”).
O jogo do mundo é de soma zero, pois nada é infinito. É preciso mudar o infinito de lugar porque não temos nada infinito. Temos que repensar a diversidade a partir de uma noção de desenvolvimento. O termo sustentabilidade, que geralmente acompanha os debates sobre desenvolvimento deve aqui ser revisado. Sustentabilidade é apenas uma noção para tornar a idéia de desenvolvimento sustentável.
A diversidade cultural é então um instrumento para criticar a forma tradicional de se conceber o desenvolvimento. A própria idéia de desenvolvimento, em si, nem é tão adequada quanto parece. Talvez justiça social seja uma idéia mais desejável do que o próprio desenvolvimento.
A política de afirmação da diversidade implica em ações internas. No caso do Brasil, é preciso aplicar dentro o que estamos pedindo no cenário internacional. Propomos ao mundo uma ação afirmativa para o Brasil, mas isso significa que então temos que aplicar essas mesmas medidas dentro do nosso território. É fácil ser vítima, dominado, para fora e ser dominador para dentro. A solução mais fácil é criticar o imperialismo cultural no cenário externo e depois, ao chegar em casa, mandar a cozinheira servir o jantar.
A diversidade cultural, vale lembrar, não é estática nem regressiva. Não se trata de imaginar um pluralismo brando, mas sim uma diversidade como multiplicidade forte, na qual não existe uma unidade final. E não basta imaginar, mas aplicá-la na realidade. É dito que a realidade é bonito lugar para se visitar, mas que ninguém vive nela, pois todos moramos na imaginação. Isso precisa ser posto em perspectiva e criar um cenário que reconheça a diversidade pujante.
Uma outra crítica pode ser feita ao conceito de tolerância, como abordado pelo professor Bartolomé. Essa é uma noção horrível. Quem gostaria de ser tolerado? As pessoas querem ser amadas, ou mesmo odiadas, mas não toleradas. Ser tolerado não satisfaz ninguém.
Por fim, é importante perceber que o capitalismo também representa um papel nesse debate. O capitalismo apresenta uma característica interessante pois ele, em regra, tira das pessoas o que elas tem para que elas queiram o que não apenas não tem, como nunca terão. As duas idéias são simultâneas. Esse é um processo que os índios conhecem muito bem. Trata-se do principio da propaganda. Essa é a crise do planeta: tirar de nos o planeta que temos e nos oferecer algo que não se assemelha ao planeta em que vivemos. Certos países desenvolvidos precisariam de sete planetas como o nosso para manter a sua media de produção e consumo. O Brasil não precisa almejar essa trajetória.
A diversidade cultural é um antídoto contra a megalomania. Ela não apenas preserva a identidade, mas também a alteridade. Não se trata de uma questão de identidade, mas de afirmação que de existem outros com tais ou quais qualidades e depois perceber como essas qualidades são apropriadas. Não se trata, é claro, encerrou o palestrante, de lidar com extremos como o ressurgimento e a apropriação de práticas culturais cruéis desenvolvidas por alguns povos. O bom antropófago é aquele sabe o que não pode comer.
Última Atualização ( 29 de junho de 2007 )


fonte imagem: http://www.culturalivre.org.br/images/seminario_logo.jpg
fonte texto: http://www.culturalivre.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=179&Itemid=61

Nenhum comentário:

Postar um comentário